EPISÓDIO 4
Os dentes amarelos riram e enfiaram os fones do telefone público no gancho, deixando somente a sombra de um velho gordo e da fumaça de seu charuto.
Henrique Machado, ainda desvirtuado, procurou se conter. Segurou as emoções e com um sorriso falso de canto disse pra si mesmo que "isso só pode ser um engano... Ou um trote."
Fechou a janela. Suspirou. A noite tocava os prédios da cidade como uma mãe acaricia sua criança. Vestiu o sobretudo. Abriu a porta. Elevador. Térreo. Rua. Lar.
Acendeu discretamente seu cigarro — escondia de todos que fumava — até do porteiro, pois vive em uma época em que portar um objeto de tabaco na boca é motivo de vergonha. Machado não se usufruia de luxos. Fumava cigarros baratos, no entanto evitava os conhecidos como mata-ratos. A experiência lhe ensinou que cigarros (muito) ruins faziam ele vomitar a noite toda.
Enquanto aguardava a condução, tirou de seu bolso uma das fotos que não guardou na gaveta. A menina de sorriso faiscante em seu avatar de lembranças. Admirou tamanha beleza e devolveu ao bolso. Apagou o cigarro na porta do ônibus. Naquele veículo, ele era mais uma das aberrações dos madrugueiros. Rostos carrancudos. Mendigos pedindo carona. Sombras risonhas.
O velho de fora do ônibus fitou o distraído Henrique. Jogou o charuto fora. Pegou seu celular.
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