segunda-feira, janeiro 29

EPISÓDIO 5

A temeridade de Machado insistia em ignorar o aviso, trote ou ameaça da voz rouca. As luzes amarelas da cidade mergulhada na noite termitavam no rosto do jovem rapaz dono de uma barba rala e de um quarto ora bagunçado."Não vou deixar de fazer meu trabalho. Preciso de grana". O reflexo de seu rosto transparecia pelos prédios imundos enquanto ele sentia o medo o invadindo, lhe esfriando do estômago à espinha. "Será que eles sabem?"

Enquanto isso, o homem do charuto andava por debaixo das árvores, tomado pela escuridão, evitando a luz. Nas trevas, dava apenas para ver o brilho de seu celular e as cinzas de fogo com a bituca de seu charuto deixada para trás. "Eu sei que o rrrrrapaz não vale o que come, senhores. Mas sei que não vale a pena fazerem isso." A luz amarela de um poste tocou delicadamente o rosto do homem de barba branca. Seus olhos eram verdes. "Sim. Eu tenho uma carta na manga." O velho tirou de seu bolso um baralho. Do monte, seus dedos ágeis sacaram uma dama de espadas. "Sim... Apostem o quanto quiserem que sim, senhores."

Uma garoa caía do céu nebuloso noturno. Henrique Machado saltou do ônibus, sentindo a água respingar em seu rosto enquanto o vento começava a bater forte.O cheiro de enxofre dominava a avenida vazia que caminhava. Um raio piscava no céu ao som de um trovão aconchegante quando entrou em uma casa que esbanjava elegância, adornada de cartazes e luzes de neon ilustrando belas mulheres nuas. Pagou a entrada com uma nota ao homem gordo de gravata borboleta. Dentro, focos de luz coloridos dançavam pela casa quase vazia. Um homem no palco, em cima de uma escada, ajustava as lâmpadas. Da porta da cozinha que normalmente estava fechada, dava para ver duas cozinheiras rindo e fumando, arrumando tranqüilamente a segunda fonte de renda do local — e onde outro pecado capital também virava ofício — enquanto conversavam. Poucas pessoas estavam nas mesas, e quase todos pareciam trabalhar nesse lugar. De cliente, apenas um fumava na cadeira mais próxima ao palco (local perfeito para ganhar carinhos das dançarinas "afetuosas"), enquanto saboreava o primeiro dos 12 whiskies com guaraná da noite que o deixaria de porre para esquecer a falta de sexo da esposa estressada.

"Você chegou cedo, gatinho". A voz feminina era veludosa e sensual e atirava contra Henrique, que ainda em pé, procurava com os olhos essa senhorita de peitos perfeitos, longos cabelos negros, lábios carnudos, olhos mel e corpo de barbie sentada próxima à entrada, no local mais escuro da boate. "Pensei que vocês já tinham começado, já passou da meia-noite. Conseguiu?". De seu busto exibido sem qualquer pudor (e que deixava os peitos dela ainda mais desejáveis), tirou um pedaço de papel de pão. "Cristine teve que dar seu sangue por isso." O rapaz engoliu a seco, preocupado enquanto pegava o papel, sem tocar na mão da mulher... "E-ela..." — "Não. Relaxe. O cara que era sado".

Machado viu o papel. "Confere. É ele." — pensou. Ele escondeu o papel na meia. "Não sei como agradecer, Luana" — disse. "Ponha na conta...", ela respondeu, em tom de desafio, piscando. Henrique a achava bastante atraente, e admirava sua exagerada gentileza, e já desconfiava que ela o desejava. Mas não era de seu feitio transar com prostitutas. Mesmo de graça. Olhou para ela ignorando a indireta. Ela, que tinha todos os atributos de uma modelo, se aproximou de Machado, a proximidade que só a intimidade confere, enquanto sua mão de fada pousou na parte interna da coxa dele, por dentro do sobretudo, cochichou quente e rouca em seu ouvido "É por isso mesmo que você me enlouquece. Sinta-se devedor. Eu VOU cobrar." Ela lambeu o lóbulo da orelha dele . Assim, Henrique se levantou tropeçando com as convicções um tanto trincadas. "O-obrigado... outra hora v-vamos tomar um... suco?", sorriu, sem graça. Ele já caminhava para sair e passar do corredor que separava o local de trabalho de Luana (que neste momento exibia seu lindo sorriso observando o desastrado rapaz) e a rua molhada. "Suco?! Da onde você tirou essa, ....... imbecil?!!!!!!" chingou-se mentalmente.

O problema é que ele não sabia que havia homens engravatados portando armas o aguardando na chuva lá fora...
 
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