quarta-feira, julho 19

EPISÓDIO 4

Os dentes amarelos riram e enfiaram os fones do telefone público no gancho, deixando somente a sombra de um velho gordo e da fumaça de seu charuto.

Henrique Machado, ainda desvirtuado, procurou se conter. Segurou as emoções e com um sorriso falso de canto disse pra si mesmo que "isso só pode ser um engano... Ou um trote."

Fechou a janela. Suspirou. A noite tocava os prédios da cidade como uma mãe acaricia sua criança. Vestiu o sobretudo. Abriu a porta. Elevador. Térreo. Rua. Lar.

Acendeu discretamente seu cigarro — escondia de todos que fumava — até do porteiro, pois vive em uma época em que portar um objeto de tabaco na boca é motivo de vergonha. Machado não se usufruia de luxos. Fumava cigarros baratos, no entanto evitava os conhecidos como mata-ratos. A experiência lhe ensinou que cigarros (muito) ruins faziam ele vomitar a noite toda.

Enquanto aguardava a condução, tirou de seu bolso uma das fotos que não guardou na gaveta. A menina de sorriso faiscante em seu avatar de lembranças. Admirou tamanha beleza e devolveu ao bolso. Apagou o cigarro na porta do ônibus. Naquele veículo, ele era mais uma das aberrações dos madrugueiros. Rostos carrancudos. Mendigos pedindo carona. Sombras risonhas.

O velho de fora do ônibus fitou o distraído Henrique. Jogou o charuto fora. Pegou seu celular.

sexta-feira, julho 7

EPISÓDIO 3

Música lenta, batidas rítmicas espaçadas. Voz feminina que se mistura com desejos. Papéis amassados que se misturam com memórias. Vento frio, poeira, ácaros. Demônios que exigem luta, suor, e muito ranho derramado — por pelo menos três horas. Mas Henrique possui a coragem de um gladiador. Como todo bom mocinho, é claro que venceu. Naquela tarde, seu quarto estava — mais ou menos — arrumado. Alguns papéis em cada gaveta, algumas fotos em seu devido lugar.

Telefone toca. Vermelho, com discador antigo, de disco. Henrique, se recuperando da alergia com o lenço amassado abaixa o volume do rádio, "Alô?!" e do outro lado alguém com uma vasta barba cinza "Prrronto?!"

"Anh... Quem fala?"

"Henrrrique Machado, finalmente!" Charuto, fumaça saindo da boca.

"Sim sou eu, anh, o sessenhrr, o-o q-que o senhor..."

"Te avisar. Prrro teu azar, tarde, mas paciência. Eu te digo, rapaz. Não ouse sair de casa nesta noite..." Dentes amarelos.

Henrique confuso. Henrique assustado.



terça-feira, julho 4

EPISÓDIO 2

Foi assim então que Henrique se levantou e, decidiu arrumar o seu quarto. A teoria é simples "cada papel em seu devido local. Cada foto em sua devida gaveta". No entanto, não sabia por onde começar. Ele se sentia arruinado. Ao abrir a janela viu um dia movimentado, lindo, brilhante. Mas um vento frio tomou conta do quarto, fazendo vários dos papéis que estavam em sua escrivaninha voarem.
Ele observou cada movimento rodopiante da sua vida empurrada pelo mundo de fora caindo pelo chão. Pegou uma foto — era uma em que estava com ela. Beijou a imagem daquela bela menina de sorriso faiscante e a colocou de volta em seu altar de boas lembranças.
Estralou seus dedos, ligou o rádio. Tocava uma música suave, voz feminina sensual e batida mórbida, com refrões de uma gaita triste deslizante. O infeliz começara a sua jornada.

segunda-feira, julho 3

EPISÓDIO 1

"Ela está aqui só pra me importunar" — disse o infeliz. "Ela vem de braços abertos, chora, demora, me abraça, me esgana e me ama". Com os braços gesticulantes, ele ainda continua — "é um furacão que dá movimento em minha vida, me faz feliz e depois me deixa, morrendo de saudades."

Em um quarto entregue à bagunça, com a cama desarrumada e livros espalhados por todos os lados, ele se debruça e mergulha em lágrimas. "O mundo poderia parar quando você estivesse aqui comigo."

quinta-feira, junho 29


I N F E L I Z:
A epopéia de um perdedor
por Fábio Marcolino
 
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