sexta-feira, março 30

Machado deu três passos para fora da boate. Surpreendido por uma chuva espessa e os braços fortes de um homem de terno, viu-se preso com força contra uma parede que sustentava um grande poster de uma mulher exibindo os seios nus. O colarinho e a gola de sua blusa estavam sendo seguradas por mãos fortes, e respingavam a enchente que tornava as ruas frias extremamente molhada.

"Este é o primeiro aviso". O punho do vulto gigante vestido de terno voou contra a mandíbula de Henrique, que pareceu cuspir um dente com o soco da mão que mais parecia uma estátua de bronze.

Quatro vultos. Era o que aquele jovem rapaz caído conseguiu contar enquanto raios piscavam e trovões faziam o chão tremer. O chão molhado, acompanhado de uma maldita dor tomou conta de seu corpo enquanto o quarteto chutava Henrique. Os sapatos de couro encharcados misturavam água ao seu sangue e não paravam de golpeá-lo. "Eu não devia ter me metido nessa!" sua mente repetia.

No momento em que Henrique não conseguia mais conter seus gritos eles pararam. Um dos homens de ombros largos se aproximou de Henrique, que mal conseguia abrir os olhos. Ele sentiu um cano gelado encostando em seu pescoço, fazendo-o novamente encostar sua cabeça na parede, ainda no chão. "Esperamos que a gente tenha sido claro com você, moleque." Guardando a pistola no coldre abaixo do paletó, ele catarrou em Machado. Aos raios, na queda de um trovão próximo, se levantou com um sorriso sarcástico, deixando o pobre jovem espancado para trás. Eles tomaram um carro nobre escuro antigo, e arrancaram ao ruído do cantar de pneus.

Entregue e nocauteado, Henrique Machado desmaiou, deixando a tempestade lavar seu corpo e suas roupas rasgadas manchadas de seu sangue na frente da boate iluminada por luzes de neon.

segunda-feira, janeiro 29

EPISÓDIO 5

A temeridade de Machado insistia em ignorar o aviso, trote ou ameaça da voz rouca. As luzes amarelas da cidade mergulhada na noite termitavam no rosto do jovem rapaz dono de uma barba rala e de um quarto ora bagunçado."Não vou deixar de fazer meu trabalho. Preciso de grana". O reflexo de seu rosto transparecia pelos prédios imundos enquanto ele sentia o medo o invadindo, lhe esfriando do estômago à espinha. "Será que eles sabem?"

Enquanto isso, o homem do charuto andava por debaixo das árvores, tomado pela escuridão, evitando a luz. Nas trevas, dava apenas para ver o brilho de seu celular e as cinzas de fogo com a bituca de seu charuto deixada para trás. "Eu sei que o rrrrrapaz não vale o que come, senhores. Mas sei que não vale a pena fazerem isso." A luz amarela de um poste tocou delicadamente o rosto do homem de barba branca. Seus olhos eram verdes. "Sim. Eu tenho uma carta na manga." O velho tirou de seu bolso um baralho. Do monte, seus dedos ágeis sacaram uma dama de espadas. "Sim... Apostem o quanto quiserem que sim, senhores."

Uma garoa caía do céu nebuloso noturno. Henrique Machado saltou do ônibus, sentindo a água respingar em seu rosto enquanto o vento começava a bater forte.O cheiro de enxofre dominava a avenida vazia que caminhava. Um raio piscava no céu ao som de um trovão aconchegante quando entrou em uma casa que esbanjava elegância, adornada de cartazes e luzes de neon ilustrando belas mulheres nuas. Pagou a entrada com uma nota ao homem gordo de gravata borboleta. Dentro, focos de luz coloridos dançavam pela casa quase vazia. Um homem no palco, em cima de uma escada, ajustava as lâmpadas. Da porta da cozinha que normalmente estava fechada, dava para ver duas cozinheiras rindo e fumando, arrumando tranqüilamente a segunda fonte de renda do local — e onde outro pecado capital também virava ofício — enquanto conversavam. Poucas pessoas estavam nas mesas, e quase todos pareciam trabalhar nesse lugar. De cliente, apenas um fumava na cadeira mais próxima ao palco (local perfeito para ganhar carinhos das dançarinas "afetuosas"), enquanto saboreava o primeiro dos 12 whiskies com guaraná da noite que o deixaria de porre para esquecer a falta de sexo da esposa estressada.

"Você chegou cedo, gatinho". A voz feminina era veludosa e sensual e atirava contra Henrique, que ainda em pé, procurava com os olhos essa senhorita de peitos perfeitos, longos cabelos negros, lábios carnudos, olhos mel e corpo de barbie sentada próxima à entrada, no local mais escuro da boate. "Pensei que vocês já tinham começado, já passou da meia-noite. Conseguiu?". De seu busto exibido sem qualquer pudor (e que deixava os peitos dela ainda mais desejáveis), tirou um pedaço de papel de pão. "Cristine teve que dar seu sangue por isso." O rapaz engoliu a seco, preocupado enquanto pegava o papel, sem tocar na mão da mulher... "E-ela..." — "Não. Relaxe. O cara que era sado".

Machado viu o papel. "Confere. É ele." — pensou. Ele escondeu o papel na meia. "Não sei como agradecer, Luana" — disse. "Ponha na conta...", ela respondeu, em tom de desafio, piscando. Henrique a achava bastante atraente, e admirava sua exagerada gentileza, e já desconfiava que ela o desejava. Mas não era de seu feitio transar com prostitutas. Mesmo de graça. Olhou para ela ignorando a indireta. Ela, que tinha todos os atributos de uma modelo, se aproximou de Machado, a proximidade que só a intimidade confere, enquanto sua mão de fada pousou na parte interna da coxa dele, por dentro do sobretudo, cochichou quente e rouca em seu ouvido "É por isso mesmo que você me enlouquece. Sinta-se devedor. Eu VOU cobrar." Ela lambeu o lóbulo da orelha dele . Assim, Henrique se levantou tropeçando com as convicções um tanto trincadas. "O-obrigado... outra hora v-vamos tomar um... suco?", sorriu, sem graça. Ele já caminhava para sair e passar do corredor que separava o local de trabalho de Luana (que neste momento exibia seu lindo sorriso observando o desastrado rapaz) e a rua molhada. "Suco?! Da onde você tirou essa, ....... imbecil?!!!!!!" chingou-se mentalmente.

O problema é que ele não sabia que havia homens engravatados portando armas o aguardando na chuva lá fora...
 
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